Edição de 21/10/2025
Jornadas exaustivas, exclusão do mercado de trabalho e a ausência de uma rede de apoio marcam a realidade de muitas mulheres brasileiras que enfrentam o desafio da maternidade atípica — condição vivida por mães de filhos com deficiência ou doenças raras. O Profissão Repórter desta terça-feira (21) deu voz a essas mulheres e mostrou os bastidores de uma luta diária por sobrevivência e dignidade.
Vendas no ônibus para complementar a renda
“Um minutinho da sua atenção, por favor”, anuncia a vendedora Carolina Almeida, de 37 anos, ainda de madrugada, em um ônibus em Santos (SP). Carregando uma bolsa preta com “donuts caseiros fresquinhos”, como ela mesma define, Carolina sustenta seus dias vendendo doces a bordo do transporte público.
Acompanhada do filho Lucas, diagnosticado com paralisia cerebral, Carolina teve sua vida transformada há 13 anos, quando deixou o emprego como professora para se dedicar integralmente ao filho.
“Eu fico com vergonha, mais pelo olhar de julgamento das pessoas. Muitas vezes, sem conhecer minha história… isso acaba desmotivando”, lamenta. O diagnóstico de Lucas foi, segundo ela, um marco definitivo. “Meu mundo desabou. Era meu primeiro filho, não foi planejado, mas você imagina descobrir um diagnóstico assim… Foi aí que começou nossa luta por tratamento.”
Entre idas e vindas do trabalho informal, a rotina de Carol é marcada pela solidão. “Eu não tenho tempo nem pra chorar. Não posso chorar perto dele e eu tô sempre com ele. A Carol, sem ser a Carol mãe, não existe mais”, desabafa.
Condomínio reúne mães em situação de vulnerabilidade
Na zona leste de São Paulo, um conjunto habitacional abriga 300 famílias — e cerca de 15% delas são compostas por mães atípicas. O condomínio foi entregue em 2022, fruto de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Habitação e a COHAB, com o objetivo de oferecer moradia digna a famílias em situação de vulnerabilidade.
A equipe do programa conversou com mães que cuidam de filhos com diferentes condições: autismo, deficiência intelectual, paralisia cerebral, Síndrome de Down e surdez. Os relatos são marcados por renúncias, força e a tentativa de construir uma nova rede de apoio.
Katia, mãe de Lara, de 8 anos, teve que abandonar o mercado formal de trabalho. Para garantir renda mínima, montou um pequeno ateliê de costura em casa. “Quando a gente se encontra, percebe que não está sozinha”, conta.
Rede de apoio entre mães solo
Em Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo, Leandra Ramos dos Santos dedica seu tempo aos três filhos — Maria, Heitor e Breno Henrique — os três com diagnóstico de autismo. Em meio à rotina intensa, ela enfrenta crises de ansiedade, insônia e depressão, e aguarda atendimento psicológico pelo SUS.
“Todo mundo dormiu, eu apago todas as luzes, aí eu consigo tomar um banho, aí eu tomo meu remédio para dormir e tenho que dormir”, relata Leandra.
A esperança e o acolhimento vêm por meio de um grupo formado por quase 400 mães atípicas da região. A reportagem acompanhou um dos encontros presenciais, onde, pela primeira vez, o foco não eram as crianças, mas as próprias mulheres.
Priscila Sapateiro, de 35 anos, também mãe de três — dois deles com autismo — ressignificou sua história ao abrir uma loja de perfumes e sabonetes artesanais. Ao lado do marido, ela divide igualmente os cuidados com os filhos.
“Esse começo aqui é o começo de um sonho: o resgate de uma mulher que teve que abrir mão da carreira. Eu olhei a loja e pensei: ‘Vou fazer algo que tenha significado, sem abandonar meus sonhos e sem deixar de lado meus filhos’. E aí nasceu a loja”, afirma Priscila.

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